Não é à toa que C. S.
Lewis, no início de seu livro, diz o quanto é complexo tratar do tema do amor.
Deus é amor. Este amor é o amor supremo, o amor Absoluto. O homem está imerso
em duas dimensões afetivas: o amor-Necessidade e o amor-Doação.
Em qual dessas
dimensões o homem se assemelha, apesar de criatura caída, a Deus? Ao
amor-Doação, claro. A partir desse binômio o autor iria depreciar o
amor-Necessidade e exaltar o amor que mais se aproximava de Deus nos
assemelhando com o divino. Mas o autor percebeu que o amor-Necessidade é uma
dimensão indispensável no homem por mais paradoxal que isso se pareça.
Imagine um homem que
não necessite de perdão. Imagine um homem que não necessite clamar a Deus.
Imagine a criança que não necessite de sua mãe. Deus é o doador supremo e suas
criaturas necessitam d'Ele.
O amor que é um espelho
do divino, Deus é amor, infelizmente pode se corromper. Há amores que se
pretendem divinos por motivos escusos, logo, aparece sua dimensão demoníaca.
Uma mãe que se doa num nível a superproteger os filhos não imagina o inferno
que ela está causando. Mas como ela está sob o feitiço dum amor [Afeição], a
pobre não se percebe. Não sofrem somente os filhos, a família toda padece. Esse
é o pesadelo que se pode chegar o amor que Lewis chama de Afeição [storge em grego]. Há aí um exemplo de
transgressão de um amor-Doação. Não o amor-Afeição em si, mas a devoção
aficionada. É também o amor que mais se aproxima de Eros, este o amor que mais
exige, mas o que ele objetiva unicamente é a posse. Nada além.
Um outro amor que pode se
corromper é o amor Amizade [philia].
É um tipo de amor espiritual, mas que pode isolar-se na sua bolha [uma
panelinha, por exemplo] e destruir todo o tipo de amor sincero entre amigos,
uma vez que o padecido desse amor só quer se aliviar da solidão que o assola. Este
"amigo" não tem interesse na beleza da boa amizade [ao modo dos antigos,
diz Lewis].
O amor erótico é um dos
amores mais perigosos. Enaltecido pela arte [livros, músicas e cinema]. É o
amor que é celebrado dentro do casamento. Na amizade o amor espiritual [de dois
amigos] há a parceria, o lado a lado. No amor Eros há o frente a frente. Mas
Lewis dá uma dimensão mais rica a Eros e ele não identifica esse amor com a
relação carnal de um homem e uma mulher. Para essa dimensão ele chama de Vênus.
Busca seu símbolo rico na mítica grega.
Por fim, Lewis retoma
ao tipo de amor que por mais que esteja em guerra com esses sentimentos
naturais [afeição, amizade e Eros] nas pessoas, é o amor que pode livrar os
outros amores de sua pretensão de divino [demoníaco] que não aquele ungido pela
graça de Deus. A este amor Lewis chama de Caridade. É na Caridade que o
amor-Necessidade e amor-Doação convergem para aquele amor Absoluto. Mais ainda,
tornam-se a imagem de Deus “agora” [presente] para na ressurreição [futuro]
plenificar-se.
Lendo esta resenha
alguém pode achar que é fácil as coisas que Lewis aborda. Mas não se engane.
Não é. Lewis finaliza sua obra assim como no começo. Alerta ao leitor atento
que essas dimensões de afeição humana são assaz complexas. O amor para ter o
caráter divinamente correto necessita da graça de Deus. A forma como o amor é
exigente em sua expressão de "Afeição" [Doação] e "Erótica"
[Necessidade. Eros é filho de Póros, o miserável] pode acentuar experiência
profundamente infernal [no aspecto relacional] e demoníaco [no aspecto
espiritual da pessoa]. Apesar de Lewis tratar o amor philia [Amizade] como algo de menos intensidade, não obstante, é o
capítulo onde ele mais se demora.
Três conclusões de
minha parte deixo ao leitor. Primeira. Leia esse livro. Segunda, aprecie a
complexidade em cada dimensão de nossas afeições [entenda quando elas são
saudáveis e quando deletérias - nocivas]. Último. Infelizmente, nossa geração
está afogada num mar de desamor. “Os quatro amores” de C. S. Lewis é um ensaio
sobremodo oportuno.
H. D’A
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