A
esposa do Sinval havia dito não raras vezes para que aquele homem parasse com
aquela mania de ficar brigando com a TV. Negócio é que o Sinval aprendeu o
inveterado hábito com o pai. Aquilo incomodava demais. A pobre da mulher queria
assistir o jornal, mas era impossível. Lá estava o diacho do homem gritando com
jornalistas, atores, apresentadores e narradores de futebol. Para piorar, Sinval
era sujeito inteirado em quaisquer assuntos. Milagre da internet que da noite
para o dia realizou a proeza de deixar todo mundo – todo o mundo mesmo –
especialista. Se era uma novela que estava passando, Sinval se manifestava com
comentários sem fim. A mulher estava pirando, coitada. Mas é como dizem: “o
hábito do cachimbo deixa a boca torta. ”
Um
dia, o homem encrenqueiro, estava numa clínica para fazer exames rotineiros.
Havia um número considerável de gente na sala de espera. A TV estava ligada. Desassossegado
impacientava-se ao extremo. Primeiro pediu para que alteassem o volume do aparelho porque não ouvia direito o que estava sendo dito. “Como pode essa mulher fazer comentários de coisas que ela
desconhece”, resmungou da apresentadora de um noticiário. Foi exaltando-se mais
e mais até que, como se estivesse em sua sala, virou-se naquele velho Sinval. “Filho
da pulga! ”, gritou contra um comercial que achava chato. Estava possesso. Amedrontou
as pessoas com aquele comportamento. Uma mãe tapava o ouvido do filho. Uma idosa
reclamou que seus ouvidos sensíveis doíam. Um evangélico começou a orar. Em vão
tentou a moça da recepção uma advertência. A médica saiu da sala de atendimento
para saber o que se passava. “Que gritaria é essa?! ” “Um cliente, doutora.
Pelo jeito está surtado. Briga com a TV. ” Franziu a testa, incrédula. Foi
conferir. “Senhor? ”, chamava. “Vai para a pulga que partiu! ”, vociferava.
Passava agora um programa de fofocas. “Não adianta! ”, disse a mãe dum guri. A
doutora enviou um áudio para um amigo médico que comandava uma clínica psiquiátrica
ali por perto: “Venham logo, por favor, é loucura das bravas! ” “Ok ”,
respondeu.
Em
trinta minutos Sinval estava sedado sobre uma maca e contido numa camisa de
força. Alguém filmou tudo e colocou nas redes sociais. Uma equipe de jornalismo chegou
rápido e tudo foi noticiado ao vivo pelo jornal local. A esposa de Sinval
estava com a TV ligada. Sentou-se, imperturbável, ao lado do gato Merlin,
apreciando toda a cobertura daquele espetáculo sem interferências do homem
espasmódico. Pôde pela primeira vez, após anos de casamento, apreciar um noticiário,
de alma lavada. "Miau", anuía o bichano.
Helder D’Araújo
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